Texto I
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, conquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
Que dias há que n'alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei porquê.
Texto II
Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca d' outrem navegados,
Prosperamente os ventos assoprando,
Quando ũa noute, estando descuidados
Na cortadora proa vigiando,
Ũa nuvem que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças aparece.
«Tão temerosa vinha e carregada,
Que pôs nos corações um grande medo;
Bramindo, o negro mar de longe brada,
Como se desse em vão nalgum rochedo.
– «Ó Potestade (disse) sublimada:
Que ameaço divino ou que segredo
Este clima e este mar nos apresenta,
Que mor cousa parece que tormenta?»
«Não acabava, quando ũa figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.
«Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo.
Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo.
Arrepiam-se as carnes e o cabelo,
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!
«E disse: – «Ó gente ousada, mais que quantas
No mundo cometeram grandes cousas,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vãos nunca repousas,
Pois os vedados términos quebrantas
E navegar meus longos mares ousas,
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,
Nunca arados d' estranho ou próprio lenho;
[...]
«Aqui espero tomar, se não me engano,
De quem me descobriu suma vingança;
E não se acabará só nisto o dano
De vossa pertinace confiança:
Antes, em vossas naus vereis, cada ano,
Se é verdade o que meu juízo alcança,
Naufrágios, perdições de toda sorte,
Que o menor mal de todos seja a morte!
1. Na segunda estrofe do texto I, o eu lírico afirma não temer os perigos do mar. No entanto, mostra-se completamente inseguro em outros assuntos. De acordo com a 1ª e a 2ª estrofes do poema, interprete:
a) Qual a causa da insegurança do eu lírico?
b) Que desafio o eu lírico faz ao Amor?
c) Com base no 4º verso da 1ª estrofe, explique por que o eu lírico julga que será o vencedor desse desafio.
2. Na 3ª e na 4ª estrofes, o eu lírico constrói um raciocínio lógico a partir de uma premissa: não pode haver desgosto onde falta esperança. Interprete: no caso do eu lírico, essa premissa se mostra verdadeira? Justifique sua resposta com elementos do texto.
3. Observe e compare o tipo de verso, o número de versos por estrofe e as rimas dos dois textos.
a) Que tipo de verso foi empregado?
b) Como estão organizadas as estrofes do soneto (texto I)?
c) No soneto, as rimas apresentam a seguinte disposição: ABBA, ABBA, CDE, CDE. Utilizando letras, indique a disposição das rimas do texto II.
4. No texto II, saindo das profundezas do mar, o gigante Adamastor surge inesperadamente diante dos portugueses. Camões criou a figura do monstro para representar o cabo das Tormentas, até então o ponto geográfico mais distante conhecido dos navegantes.
a) O que sentiram os portugueses diante do gigante Adamastor? Que fato, da 4ª estrofe, comprova sua resposta?
b) Reconheça, na 3ª estrofe do texto II, as características do gigante responsáveis pelo que os portugueses sentiram.
5. Releia a 5ª estrofe do texto II. Nela, o gigante compara os portugueses a outros povos, que também se lançaram ao mar.
a) Quem o gigante destaca nessa comparação? Por quê?
b) Relacione essa comparação ao momento histórico e ao espírito nacionalista vivido pelos portugueses no século XVI. Qual é a verdadeira intenção do autor ao criar esse obstáculo para a viagem dos portugueses ao Oriente?
6. Os navegantes do século XV acreditavam em lendas antigas, provenientes da Idade Média. Segundo algumas delas, além do cabo das Tormentas havia fenômenos estranhos, como as águas do mar ferverem e rochas magnéticas atraírem os barcos, que se arrebentavam nas pedras.
Releia a última estrofe do texto II.
a) Que previsões tem o gigante para a ousadia dos portugueses?
b) Em qual dessas lendas Camões se baseou para criar a figura do gigante Adamastor?
Extraído de:
CEREJA, William Roberto. Português: Linguagens: volume 1: ensino médio. 5 ed. São Paulo: Atual, 2005.