quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Texto para equipe: PLBTJ 2ª série

CORRESPONDÊNCIAS
Charles Baudelaire

A natureza é um templo onde vivos pilares
Deixam filtrar não raro insólitos enredos;
O homem o cruza em meio a um bosque de segredos
Que ali o espreitam com seus olhos familiares.
Como ecos longos que à distância se matizam
Numa vertiginosa e lúgubre unidade,
Tão vasta quanto a noite e quanto a claridade,
Os sons, as cores e os perfumes se harmonizam.
Há aromas frescos como a carne dos infantes,
Doces como o oboé, verdes como a campina,
E outros, já dissolutos, ricos e triunfantes,
Com a fluidez daquilo que jamais termina,
Como o almíscar, o incenso e as resinas do Oriente,
Que a glória exaltam dos sentidos e da mente.




VIOLÕES QUE CHORAM...
Ah! plangentes violões dormentes, mornos,
Soluços ao luar, choros ao vento...
Tristes perfis, os mais vagos contornos,
Bocas murmurejantes de lamento.
Noites de além, remotas, que eu recordo,
Noites da solidão, noites remotas
Que nos azuis da Fantasia bordo,
Vou constelando de visões ignotas.
Sutis palpitações à luz da lua,
Anseio dos momentos mais saudosos,
Quando lá choram na deserta rua
As cordas vivas dos violões chorosos.
Quando os sons dos violões vão soluçando,
Quando os sons dos violões nas cordas gemem,
E vão dilacerando e deliciando,
Rasgando as almas que nas sombras tremem.
Harmonias que pungem, que laceram,
Dedos nervosos e ágeis que percorrem
Cordas e um mundo de dolências geram
Gemidos, prantos, que no espaço morrem...
E sons soturnos, suspiradas mágoas,
Mágoas amargas e melancolias,
No sussurro monótono das águas,
Noturnamente, entre ramagens frias.
Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
Tudo nas cordas dos violões ecoa
E vibra e se contorce no ar, convulso...
Tudo na noite, tudo clama e voa
Sob a febril agitação de um pulso.
Que esses violões nevoentos e tristonhos
São ilhas de degredo atroz, funéreo,
Para onde vão, fatigadas do sonho,
Almas que se abismaram no mistério.
Sons perdidos, nostálgicos, secretos,
Finas, diluídas, vaporosas brumas,
Longo desolamento dos inquietos
Navios a vagar à flor de espumas.
Oh! languidez, languidez infinita,
Nebulosas de sons e de queixumes,
Vibrado coração de ânsia esquisita
E de gritos felinos de ciúmes!
Que encantos acres nos vadios rotos
Quando em toscos violões, por lentas horas
Vibram, com a graça virgem dos garotos,
Um concerto de lágrimas sonoras!
Quando uma voz, em trêmulos, incerta,
Palpitando no espaço, ondula, ondeia,
E o canto sobe para a flor deserta,
Soturna e singular da lua cheia.
Quando as estrelas mágicas florescem,
E no silêncio astral da Imensidade
Por lagos encantados adormecem
As pálidas ninféias da Saudade!
Como me embala toda essa pungência,
Essas lacerações como me embalam,
Como abrem asas brancas de clemência
As harmonias dos violões que falam!
Que graça ideal, amargamente triste,
Nos lânguidos bordões plangendo passa.
Quanta melancolia de anjo existe
Nas visões melodiosas dessa graça...
Que céu, que inferno, que profundo inferno,
Que ouros, que azuis, que lágrimas, que risos,
Quanto magoado sentimento eterno
Nesses ritmos trêmulos e indecisos...
Que anelos sexuais de monjas belas
Nas ciliciadas carnes tentadoras,
Vagando no recôndito das celas,
Por entre as ânsias dilaceradoras...
Quanta plebéia castidade obscura
Vegetando e morrendo sobre a lama,
Proliferando sobre a lama impura,
Como em perpétuos turbilhões de chama,
Que procissão sinistra de caveiras,
De espetros, pelas sombras mortas, mudas...
Que montanhas de dor, que cordilheiras
De agonias aspérrimas e agudas.
Véus neblinosos, longos, véus de viúvas
Enclausuradas nos ferais desterros,
Errando aos sóis, aos vendavais e às chuvas,
Sob abóbadas lúgubres de enterros:
Velhinhas quedas e velhinhos quedos,
Cegas, cegos, velhinhas e velhinhos,
Sepulcros vivos de senis segredos,
Eternamente a caminhar sozinhos;
E na expressão de quem se vai sorrindo,
Com as mãos bem juntas e com os pés bem juntos
E um lenço preto o queixo comprimindo,
Passam todos os lívidos defuntos...
E como que há histéricos espasmos
Na mão que esses violões agita, largos...
E o som sombrio é feito de sarcasmos
E de sonambulismos e letargos.
Fantasmas de galés de anos profundos
Na prisão celular atormentados,
Sentindo nos violões os velhos mundos
Da lembrança fiel de áureos passados;
Meigos perfis de tísicos dolentes
Que eu vi dentre os violões errar gemendo,
Prostituídos de outrora, nas serpentes
Dos vícios infernais desfalecendo;
Tipos intonsos, esgrouviados, tortos,
Das luas tardas sob o beijo níveo,
Para os enterros dos seus sonhos mortos
Nas queixas dos violões buscando alívio;
Corpos frágeis, quebrados, doloridos,
Frouxos, dormentes, adormidos, langues,
Na degenerescência dos vencidos
De toda a geração, todos os sangues;
Marinheiros que o mar tornou mais fortes,
Como que feitos de um poder extremo
Para vencer a convulsão das mortes,
Dos temporais o temporal supremo;
Veteranos de todas as campanhas,
Enrugados por fundas cicatrizes,
Procuram nos violões horas estranhas,
Vagos aromas, cândidos, felizes.
Ébrios antigos, vagabundos velhos,
Torvos despojos da miséria humana,
Têm nos violões secretos Evangelhos,
Toda a Bíblia fatal da dor insana.
Enxovalhados, tábidos palhaços
De carapuças, máscaras e gestos
Lentos e lassos, lúbricos, devassos,
Lembrando a florescência dos incestos;
Todas as ironias suspirantes
Que ondulam no ridículo das vidas,
Caricaturas tétricas e errantes
Dos malditos, dos réus, dos suicidas;
Toda essa labiríntica nevrose
Das virgens nos românticos enleios,
Os ocasos do Amor, toda a clorose
Que ocultamente lhes lacera os seios;
Toda a mórbida música plebéia
De requebros de fauno e ondas lascivas;
A langue, mole e morna melopéia
Das valsas alanceadas, convulsivas;
Tudo isso, num grotesco desconforme,
Em ais de dor, em contorções de açoites,
Revive nos violões, acorda e dorme
Através do luar das meias-noites!

1. Embora Baudelaire seja precursor da poesia simbolista, notamos várias semelhanças entre seu poema e o do simbolista Cruz e Sousa. Observe a linguagem dos dois poemas. A linguagem simbolista caracteriza-se por ser vaga, fluida, imprecisa.
a) Destaque dos dois poemas exemplos de algo indefinido, vago.
b) O emprego de substantivos abstratos e de adjetivos também contribui para reforçar a idéia de fluidez nos textos. Identifique nos dois poemas o uso de recursos desses tipos.

2. No Realismo, a adjetivação cumpre o papel de compor um painel objetivo da realidade. Observe os adjetivos empregados nos poemas de Baudelaire e Cruz e Sousa. Eles contribuem para compor um painel subjetivo ou objetivo da realidade?

3. Em vez de nomear ou explicar objetivamente, a linguagem simbolista procura sugerir. Com relação ao poema “Violões que choram...”:

a) O que sugere a aliteração do fonema /v/ da 7ª estrofe?
b) Com base na 1ª e na 5ª estrofes e no título do poema, indique os sentimentos ou estados de alma que, na visão do eu lírico, os sons do violão sugerem.
c) Na atribuição de características como “dormentes”, “chorosos” e “tristonhos” aos violões, que figura de linguagem se verifica?

4. Para os simbolistas, uma das formas de expressar as sensações interiores por meio da linguagem verbal é pela aproximação ou cruzamento de campos sensoriais diferentes. Esse procedimento, a que se dá o nome de sinestesia, foi inspirado justamente no poema “Correspondências”, de Baudelaire.
a) Identifique no poema de Baudelaire o verso que se refere à fusão de campos sensoriais diferentes.
b) Releia as três estrofes iniciais do poema de Cruz e Sousa. Que campos sensoriais são aproximados nessas estrofes?
c) Identifique na sétima estrofe um emprego de sinestesia.

5. O Parnasianismo e o Simbolismo nasceram juntos na França, com a publicação da revista Parnasse Contemporain. Embora apresentem propostas artísticas diferentes, esses dois movimentos tem em comum a preocupação com a linguagem artística. Por isso, é comum entre simbolistas o exercício do princípio da “arte pela arte” ou “arte sobre a arte”.
a) Na 1ª estrofe de “Correspondências”, Baudelaire faz referência a “palavras confusas” e a “florestas de símbolos”. A que tipo de arte ele se refere nesses versos?
b) Em “Violões que choram...” manifesta-se o princípio da “arte pela arte”? por quê?

Extraído de:
CEREJA, William Roberto. Português: Linguagens: volume 2: ensino médio. 5 ed. São Paulo: Atual, 2005.

11 comentários:

  1. 1-“O homem o cruza em meio a um bosque de segredos”
    b)Vagos, luar, insólitos....

    2- Subjetivo, pois como característica do simbolismo as poesias tem sentido vago.

    3-Musicalidade
    b) Tristeza, melancolia e nostalgia
    c) Personificação

    4-“doce como o oboé, verdes como a campina”
    b) Tato, visão e audição
    c) “veludosas vozes”

    5-A natureza da arte
    b)Sim, pois é uma das características presentes no simbolismo

    ResponderExcluir
  2. Muito obrigado. Agradeço mttttttt
    Um forte abraço

    ResponderExcluir
  3. Graças a isto fiz a tarefa de português hehe

    ResponderExcluir
  4. c) Na atribuição de características como “dormentes”, “chorosos” e “tristonhos” aos violões, que figura de linguagem se verifica?

    ResponderExcluir

Quem sou eu

Minha foto
Formada no curso técnico de Auxiliar de Escritório no ano de 1996, no Centro Educacional Deocleciano Barbosa de Castro, graduada no curso de Licenciatura em Letras com habilitação para o ensino de Língua Inglesa, Língua Portuguesa e suas Literaturas, na Universidade do Estado da Bahia - UNEB/Campus IV no ano de 2004, pós graduanda em Metodologias de Ensino da Língua Portuguesa, pela Universidade Gama Filho. Trabalho como professora há 10 anos, tendo iniciado minha carreira na Prefeitura Municipal de Quixabeira, como professora de Inglês no Ensino Fundamental. Nos anos de 2005 e 2006 trabalhei como professora substituta na Escola Agrotécnica Federal de Senhor do Bonfim, com a disciplina Inglês para o Ensino Médio. Em 2007, tendo sido aprovada no concurso para professores do Estado da Bahia, assumi a cadeira de professora de Língua Inglesa no Colégio Estadual Roberto Santos, onde hoje atuo também como vice-diretora. Assumi a disciplina Literatura no Colégio Presbiteriano Augusto Galvão, em fevereiro de 2009, e pretendo abrir as janelas desta incrível arte a todos que por ela se interessem.