Texto para: Breno, Guido, Eric, João Graça, João Lima
O tempo e o vento
Érico Veríssimo
Viu a adaga lampejar nas mãos do outro. Um vento morno batia-lhe no rosto, entrava-lhe pelas narinas com um cheiro de água. No campo, vaga-lumes pingavam de fogo o corpo da noite.
— Pronto? — gritou Bento.
— Pronto!
E aproximaram-se um do outro, lentos, meio encurvados. Pararam quando a distância que os separava era pouco mais de cinco passos e ficaram a se mirar, negaceantes. Rodrigo ouvia a respiração arquejante do inimigo.
— Vou te mostrar o que acontece quando se bate na cara dum homem, patife — rosnou ele. E sentiu que a raiva o fazia feliz.
— Quem vai te mostrar sou eu, canalha.
E dizendo isto Bento avançou brandindo a adaga. Os ferros se encontraram no ar com violência e tiniram. No primeiro momento Rodrigo teve de recuar alguns passos. Mas logo firmou pé no chão e desviou todos os pranchaços do outro. Bento quis atingir-lhe a cabeça com o lado da adaga, mas o capitão aparou o golpe no ar com tal firmeza que a arma do adversário se lhe escapou da mão e caiu ao solo. Rápido, Rodrigo deu-lhe um pontapé e atirou-a longe, fora do alcance de Bento, que começou a recuar devagarinho, arquejando como um animal acuado.
— Pode pegar a adaga! — gritou-lhe Rodrigo.
— Não brigo com homem desarmado.
Bento correu, apanhou a arma e tornou a arremeter. Por alguns instantes os dois inimigos terçaram armas, disseram-se palavrões, enquanto suas camisas se empapavam de suor. Por fim se atracaram num corpo-a-corpo furioso, cabeça contra cabeça, peito contra peito. O braço direito de Rodrigo estava no ar, seguro à altura do pulso pela mão esquerda de Bento, cuja direita tentava aproximar a ponta da adaga do baixo-ventre do adversário.
— Vou te botar minha marca na cara, pústula!
— Vou te tirar as tripas pra fora, corno!
Empregando toda a sua força, que o ódio aumentava, o capitão conseguiu prender a mão direita do outro entre suas coxas; e depois, imobilizando com a sinistra o braço que Bento Amaral tinha livre, com a destra segurou a adaga e aproximou-lhe a ponta da cara do inimigo, que atirou a cabeça para trás, num pânico, e começou a bufar e a cuspir.
— Te prepara, porco! — gritou Rodrigo. — É agora.
E riscou-lhe verticalmente a face. O sangue brotou do talho. Bento gemia, sacudia a cabeça e houve um momento em que seu sangue respingou o rosto de Rodrigo e uma gota lhe entrou no olho direito, cegando-o por um breve segundo.
— Falta a volta do R!
E num golpe rápido fez uma pequena meia-lua, às cegas. Bento cuspiu-lhe no rosto, frenético, e num repelão safou-se e tombou de costas, deixando cair a adaga.
Rodrigo imaginou que ele ia levantar-se, apanhar de novo a arma e voltar ao ataque. Mas Bento, sentado no chão, com a mão no rosto, ficou a olhar atarantadamente para todos os lados. Os sapos continuavam a coaxar. Vaga-lumes passavam entre os dois inimigos. Uma ave noturna saiu de dentro do cemitério e sobrevoou a coxilha, num seco ruflar de asas.
— Não vou te matar, miserável — disse Rodrigo. — Mas não costumo deixar serviço incompleto. Quero terminar esse R. Falta só a perninha...
E caminhou para o adversário, devagarinho, antegozando a operação, e lamentando que não fosse noite de lua cheia para ele poder ver bem a cara odiosa de Bento Amaral.
1. A obra O tempo e o vento, é, provavelmente, a mais completa produção literária sobre a formação histórica, lingüística e cultural do Rio Grande do Sul. Identifique no texto a presença de elementos que comprovem a preocupação do autor em caracterizar seu Estado quanto a aspectos lingüísticos, culturais, geográficos.
2. Nas tradições gaúchas, em suas canções e histórias populares, são muito valorizadas a valentia e a coragem. Considerando esse dado e o motivo que gerou o duelo, comente:
a) O que significa o duelo para as personagens?
b) O que significa para o capitão Rodrigo fazer a letra R no rosto do adversário?
3. Para situações de luta como essa existe um código de honra que deve ser respeitado. Desse código faz parte, por exemplo, a exigência de que os adversários estejam em condições de igualdade.
a) Rodrigo é um homem mal visto na cidade, pois bebe em excesso, é mulherengo, valentão. Apesar disso, ele respeita o código de honra dos duelistas. Que gesto de Rodrigo comprava isso?
b) Na seqüência do episódio lido, a narrativa do duelo é interrompida; em seguida, Bento Amaral aparece no povoado, com o rosto ferido a bala. O que esse fato revela a respeito do procedimento de Bento Amaral?
c) Que importância esse fato tem na construção das personagens?
4. Observe a linguagem empregada no texto. Ela se caracteriza por ser culta formal, culta informal, popular ou regional? Justifique.
Extraído de:
CEREJA, William Roberto. Português: Linguagens: volume 3: ensino médio. 5 ed. São Paulo: Atual, 2005.
1.
ResponderExcluirOs aspectos lingüísticos são notados durante todo o texto onde existe a presença incontestável de gírias e regionalismos como:" pústula"e"porco".Aspectos culturais estão presentes nos nomes dos locais e na forma de tratamento dos personagens um com o outro característico de uma região.E por fim geográficos que podem ser notados facilmente em vários parágrafos do texto como por exemplo no penúltimo onde há a citação do local e de animais:"Os sapos continuavam a coaxar. Vaga-lumes passavam entre os dois inimigos. Uma ave noturna saiu de dentro do cemitério e sobrevoou a coxilha, num seco ruflar de asas".
2.
a)Significa uma forma de mostrar "poder" ou status de importância de um para o outro.
b)Fazer com que o seu adversário (bento)lembre-se com quem duelou e para quem perdeu evidentemente.
3.
a)O simples fato de ele ao ver seu adversário sem armas afirma que não duela com ninguém que esteja desarmado "— Pode pegar a adaga! — gritou-lhe Rodrigo.
— “Não brigo com homem desarmado”.
b)Que era uma pessoa pacifica porém havia brigado e tomado um tiro.
c)importância relevante pois a partir da leitura e da interpretação dos personagens podemos diferenciá-los sabendo explicar quem seria o vilão e quem seria o mocinho.
4.
Regional,pois estão presentes no texto vários regionalismos e como todos nos sabemos regionalismos são característicos de uma determinada região exemplificada no texto como a região do rio grande do sul.
a questão B da 3 tá errada. pq o bento deu o tiro e não levou o tiro.
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