quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Textos para análise - 3ª série do ensino médio

Texto para: Breno, Guido, Eric, João Graça, João Lima

O tempo e o vento
Érico Veríssimo

Viu a adaga lampejar nas mãos do outro. Um vento morno batia-lhe no rosto, entrava-lhe pelas narinas com um cheiro de água. No campo, vaga-lumes pingavam de fogo o corpo da noite.
— Pronto? — gritou Bento.
— Pronto!
E aproximaram-se um do outro, lentos, meio encurvados. Pararam quando a distância que os separava era pouco mais de cinco passos e ficaram a se mirar, negaceantes. Rodrigo ouvia a respiração arquejante do inimigo.
— Vou te mostrar o que acontece quando se bate na cara dum homem, patife — rosnou ele. E sentiu que a raiva o fazia feliz.
— Quem vai te mostrar sou eu, canalha.
E dizendo isto Bento avançou brandindo a adaga. Os ferros se encontraram no ar com violência e tiniram. No primeiro momento Rodrigo teve de recuar alguns passos. Mas logo firmou pé no chão e desviou todos os pranchaços do outro. Bento quis atingir-lhe a cabeça com o lado da adaga, mas o capitão aparou o golpe no ar com tal firmeza que a arma do adversário se lhe escapou da mão e caiu ao solo. Rápido, Rodrigo deu-lhe um pontapé e atirou-a longe, fora do alcance de Bento, que começou a recuar devagarinho, arquejando como um animal acuado.
— Pode pegar a adaga! — gritou-lhe Rodrigo.
— Não brigo com homem desarmado.
Bento correu, apanhou a arma e tornou a arremeter. Por alguns instantes os dois inimigos terçaram armas, disseram-se palavrões, enquanto suas camisas se empapavam de suor. Por fim se atracaram num corpo-a-corpo furioso, cabeça contra cabeça, peito contra peito. O braço direito de Rodrigo estava no ar, seguro à altura do pulso pela mão esquerda de Bento, cuja direita tentava aproximar a ponta da adaga do baixo-ventre do adversário.
— Vou te botar minha marca na cara, pústula!
— Vou te tirar as tripas pra fora, corno!
Empregando toda a sua força, que o ódio aumentava, o capitão conseguiu prender a mão direita do outro entre suas coxas; e depois, imobilizando com a sinistra o braço que Bento Amaral tinha livre, com a destra segurou a adaga e aproximou-lhe a ponta da cara do inimigo, que atirou a cabeça para trás, num pânico, e começou a bufar e a cuspir.
— Te prepara, porco! — gritou Rodrigo. — É agora.
E riscou-lhe verticalmente a face. O sangue brotou do talho. Bento gemia, sacudia a cabeça e houve um momento em que seu sangue respingou o rosto de Rodrigo e uma gota lhe entrou no olho direito, cegando-o por um breve segundo.
— Falta a volta do R!
E num golpe rápido fez uma pequena meia-lua, às cegas. Bento cuspiu-lhe no rosto, frenético, e num repelão safou-se e tombou de costas, deixando cair a adaga.
Rodrigo imaginou que ele ia levantar-se, apanhar de novo a arma e voltar ao ataque. Mas Bento, sentado no chão, com a mão no rosto, ficou a olhar atarantadamente para todos os lados. Os sapos continuavam a coaxar. Vaga-lumes passavam entre os dois inimigos. Uma ave noturna saiu de dentro do cemitério e sobrevoou a coxilha, num seco ruflar de asas.
— Não vou te matar, miserável — disse Rodrigo. — Mas não costumo deixar serviço incompleto. Quero terminar esse R. Falta só a perninha...
E caminhou para o adversário, devagarinho, antegozando a operação, e lamentando que não fosse noite de lua cheia para ele poder ver bem a cara odiosa de Bento Amaral.

1. A obra O tempo e o vento, é, provavelmente, a mais completa produção literária sobre a formação histórica, lingüística e cultural do Rio Grande do Sul. Identifique no texto a presença de elementos que comprovem a preocupação do autor em caracterizar seu Estado quanto a aspectos lingüísticos, culturais, geográficos.
2. Nas tradições gaúchas, em suas canções e histórias populares, são muito valorizadas a valentia e a coragem. Considerando esse dado e o motivo que gerou o duelo, comente:
a) O que significa o duelo para as personagens?
b) O que significa para o capitão Rodrigo fazer a letra R no rosto do adversário?

3. Para situações de luta como essa existe um código de honra que deve ser respeitado. Desse código faz parte, por exemplo, a exigência de que os adversários estejam em condições de igualdade.
a) Rodrigo é um homem mal visto na cidade, pois bebe em excesso, é mulherengo, valentão. Apesar disso, ele respeita o código de honra dos duelistas. Que gesto de Rodrigo comprava isso?
b) Na seqüência do episódio lido, a narrativa do duelo é interrompida; em seguida, Bento Amaral aparece no povoado, com o rosto ferido a bala. O que esse fato revela a respeito do procedimento de Bento Amaral?
c) Que importância esse fato tem na construção das personagens?

4. Observe a linguagem empregada no texto. Ela se caracteriza por ser culta formal, culta informal, popular ou regional? Justifique.


Extraído de:
CEREJA, William Roberto. Português: Linguagens: volume 3: ensino médio. 5 ed. São Paulo: Atual, 2005.

2 comentários:

  1. 1.
    Os aspectos lingüísticos são notados durante todo o texto onde existe a presença incontestável de gírias e regionalismos como:" pústula"e"porco".Aspectos culturais estão presentes nos nomes dos locais e na forma de tratamento dos personagens um com o outro característico de uma região.E por fim geográficos que podem ser notados facilmente em vários parágrafos do texto como por exemplo no penúltimo onde há a citação do local e de animais:"Os sapos continuavam a coaxar. Vaga-lumes passavam entre os dois inimigos. Uma ave noturna saiu de dentro do cemitério e sobrevoou a coxilha, num seco ruflar de asas".
    2.
    a)Significa uma forma de mostrar "poder" ou status de importância de um para o outro.
    b)Fazer com que o seu adversário (bento)lembre-se com quem duelou e para quem perdeu evidentemente.
    3.
    a)O simples fato de ele ao ver seu adversário sem armas afirma que não duela com ninguém que esteja desarmado "— Pode pegar a adaga! — gritou-lhe Rodrigo.
    — “Não brigo com homem desarmado”.
    b)Que era uma pessoa pacifica porém havia brigado e tomado um tiro.
    c)importância relevante pois a partir da leitura e da interpretação dos personagens podemos diferenciá-los sabendo explicar quem seria o vilão e quem seria o mocinho.
    4.
    Regional,pois estão presentes no texto vários regionalismos e como todos nos sabemos regionalismos são característicos de uma determinada região exemplificada no texto como a região do rio grande do sul.

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  2. a questão B da 3 tá errada. pq o bento deu o tiro e não levou o tiro.

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Quem sou eu

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Formada no curso técnico de Auxiliar de Escritório no ano de 1996, no Centro Educacional Deocleciano Barbosa de Castro, graduada no curso de Licenciatura em Letras com habilitação para o ensino de Língua Inglesa, Língua Portuguesa e suas Literaturas, na Universidade do Estado da Bahia - UNEB/Campus IV no ano de 2004, pós graduanda em Metodologias de Ensino da Língua Portuguesa, pela Universidade Gama Filho. Trabalho como professora há 10 anos, tendo iniciado minha carreira na Prefeitura Municipal de Quixabeira, como professora de Inglês no Ensino Fundamental. Nos anos de 2005 e 2006 trabalhei como professora substituta na Escola Agrotécnica Federal de Senhor do Bonfim, com a disciplina Inglês para o Ensino Médio. Em 2007, tendo sido aprovada no concurso para professores do Estado da Bahia, assumi a cadeira de professora de Língua Inglesa no Colégio Estadual Roberto Santos, onde hoje atuo também como vice-diretora. Assumi a disciplina Literatura no Colégio Presbiteriano Augusto Galvão, em fevereiro de 2009, e pretendo abrir as janelas desta incrível arte a todos que por ela se interessem.